Não me ocorre nenhuma coisa mais difícil de conviver do que a vida. Lembrei-me disso a tarde inteira, enquanto tentava manter a cabeça livre de pensamentos de importância nula, mas não deu. Vagueei por ruas vestidas de Natal dos pés à cabeça, e ela sempre comigo, do meu lado, a vida. Sentei-me a tomar café a ver o sol e o Tejo, e nas duas cadeiras vagas pairava uma inquietação de uma para outra: era ela, a vida. Não sabia onde se sentar. Tentei abstrair-me daquele corropio sem nexo a ler um livro, só que as palavras pareciam ocas e o ruído à minha volta tirava-me os olhos da próxima frase. Desisti, subi a rua e olhei para trás. Lá vinha ela, a vida, caminhando sem pressas, parecia saber que me encontrava onde quer que eu fosse. Estava carregada de coisas minhas, de todas as coisas minhas, o meu passado todo, as birras de criança, as idas ao Lux, o primeiro beijo, o dia em que o Ovelheira me ensinou a escrever, os medos, o emprego que não vem, ela, a vida, anda atrás de mim com isto tu…