Diário do Semi Confinamento #21102020


Porque a escrita é sempre o Porto seguro onde regresso quando tudo na minha vida parece querer desabar, volto a esta espécie de Diário que me salvou da insanidade no confinamento. Crente de que aqui possa ir ganhando sentido disto tudo. E porque este Domingo no meu Clube de Leitura falou-se da perda que temos vindo a sofrer da memória a longo prazo e de como precisamos da escrita para isso e para, a par com a memória, conseguirmos ir relacionando conceitos e conhecimentos mais profundos. 

Ontem escrevia no meu caderno em papel sobre o Arquitecto, um homem que me irrompeu na vida e me fez perceber que ainda sou capaz de me apaixonar tal como antes. Infelizmente a coisa foi breve, mas intensa o suficiente para me fazer chorar quando dei de caras com uma foto dele nas redes. Ali voltei a sentir que seria capaz de fazer ninho e chamar aqueles braços casa.

Hoje escrevo aqui porque me sinto num imenso marasmo. Estou vazia de sentido. Lentamente sinto que a apatia está a tonar conta de mim. Passo os meus dias enfiada a trabalhar em casa. Saio de manhã para levar a criança à escola, sigo para o ginásio se conseguir ter tempo, volto para casa a tempo de despachar emails e notícias, almoço enquanto vejo uma série - ando viciada no Admirável Mundo Novo e na Normal People da HBO - e arrasto-me nas horas e nas tarefas até ser horas de sair para ir buscar a criança outra vez. Passo semanas sem trocar mais que meia dúzia de palavras com adultos e sem que alguém me toque, além do meu filho. Não sei o que é ser despida e beijada há demasiado tempo.

Estou a sentir fisicamente uma dor desta ausência de beijos e abraços com os amigos, da ausência de ver sorrisos na cara das pessoas, de ver lábios. Estou absolutamente exausta desta pandemia. E sinto que a minha saúde mental já viu melhores dias.

Hoje tive uma conversa porreira com uma amiga na mesma situação que eu. Discutimos possibilidades do que fazer no final do Doutoramento e de como é tão solitário o trabalho de investigação. No final do dia, acabei à conversa com o meu vizinho de baixo que é chefe de cozinha num Vila Galé cá da cidade e percebi que faz sobremesas por encomenda. Acho que me vou desgraçar!

Morro de saudades de ver filmes enroscada em alguém, de dormir encaixada, de dar e receber mimos. Aos 36 anos a solidão está a pesar-me de uma forma que nunca achei ser possível. 

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Idade da Reforma:

Vou ao supermercado à mesma hora que os velhotes de 70 anos!